MÚSICA E PENITÊNCIA AO SERVIÇO DA CATEQUESE
São Francisco Solano, cuja festa comemoramos no dia 14 de Julho, santo genuinamente franciscano a quem obedeciam as feras, as aves e os mais ferozes indígenas; tinha alma de poeta em corpo de asceta, animado por ardente devoção mariana e zelo apostólico
Foi no pequeno povoado de Montilla, perto de Córdoba, na Espanha, que nasceu Francisco Solano, filho de pais católicos exemplares.
De temperamento pacífico e bondoso, atraía a todos por sua modéstia e suavidade. Mas era dotado de uma vontade de ferro e de muita determinação. Sabendo que a virtude não se adquire senão com muito esforço, frequentava assiduamente os sacramentos, principalmente os da confissão e comunhão, e procurava domar os maus impulsos da carne por meio da oração e rigorosa penitência.
Mas isso não impedia que fosse um rapaz alegre e prestativo. Estudante no colégio dos jesuítas, nas horas vagas cultivava o jardim de seu pai, cantando enquanto trabalhava.
Aos 20 anos entrou para o noviciado dos franciscanos de sua cidade, onde aumentou suas penitências. Feita sua profissão religiosa, cursou filosofia e teologia e recebeu as sagradas ordens, dedicando-se ao apostolado da palavra.
Em pouco tempo foi nomeado mestre de noviços de um convento, e depois superior de outro, mas pedia dispensa de qualquer cargo para poder dedicar-se inteiramente à pregação. Sua palavra era persuasiva e penetrava profundamente os corações. Em breve passou a ser conhecido como o frade santo.
Quis fugir dessa popularidade e, por humildade, ir pregar em terras de infiéis, em busca do martírio. Não obteve licença de ir para a África, mas de evangelizar o Novo Mundo. Assim partiu para a América do Sul em 1589.
Nas costas do Peru, o navio encalhou num banco de areia durante uma tormenta e ameaçava partir-se. Grande parte da tripulação salvou-se em botes; mas não havia lugar para todos. Frei Francisco escolheu ficar com os remanescentes, para prepará-los para a possível morte. Animou os pobres colonos espanhóis a bordo e falou-lhes da vida eterna. Ensinou aos escravos que estavam a bordo os rudimentos da Religião, e baptizou-os.
O navio não suportou o embate das ondas, e no segundo dia partiu-se em dois, levando para o fundo do mar grande parte dos escravos. Os que tiveram a dita de permanecer na parte do navio presa à areia reuniram-se em torno do missionário, aguardando a futura sorte. Ele os animou e predisse que uma chalupa voltaria para pegá-los. E assim sucedeu no terceiro dia após o desastre.
Apaziguador, harmonizou colonizadores com índios.
O grupo de franciscanos do qual fazia parte Francisco Solano chegou a Santiago del Estero em Novembro de 1590. Durante 10 anos deveria ele percorrer aquela região levantando igrejas, formando municípios, catequizando, baptizando, civilizando. Catequizou o Peru, grande parte da Argentina, da Bolívia e do Paraguai. Realizou tudo isso andando a pé e descalço através das florestas, desertos, rios, pântanos, matagais cheios de insectos malignos e enervantes. Além disso, o maior trabalho de Francisco era fazer conviver espanhóis e índios como bons cristãos. Dificultavam o relacionamento a escravidão, que estava nos hábitos da época, e os costumes bárbaros dos silvícolas, bem como a cobiça pelo ouro, que por vezes se sobrepunha aos sentimentos cristãos.
Uma coisa singular nesse santo jovial é o papel desempenhado pela música em seu apostolado. Com o violino (alguns autores dizem harpa ou uma espécie de viola), que ele tocava com muita elevação e sentimento, apaziguava os espíritos, inclusive os instintos selvagens dos indígenas. Com ele também cantava louvores à Virgem ou ao Santíssimo Sacramento.
Certa vez em que acompanhava o Santíssimo em uma procissão, seu espírito elevou-se, num entusiasmo tão ardente pelo Deus ali presente na Hóstia, que começou a tocar e a dançar. Isso fazia também frequentemente diante de imagens de Nossa Senhora.
Aprendeu milagrosamente em 15 dias o dialecto de uma tribo indígena. Adquiriu também o dom das línguas, falando em castelhano a índios de tribos diferentes, sendo entendido como se estivesse expressando no dialecto de cada um.
Uma vez, por exemplo, estando em San Miguel del Estero durante as cerimónias da Quinta-Feira Santa, veio uma terrível notícia: milhares de índios de diversas tribos, armados para a guerra, avançavam para atacar a cidade. A balbúrdia foi geral. Só Frei Francisco, calmo, saiu ao encontro dos selvagens. Estes, que o respeitavam, pararam para o ouvir. E cada um o entendeu em sua própria língua. Ficaram tão emocionados, que um número enorme deles pediu o baptismo. No dia seguinte, viu-se essa coisa portentosa: ao lado dos espanhóis, esses índios convertidos participavam na procissão da Sexta-feira Santa, flagelando-se por causa de seus pecados.
Em outra ocasião, soube que os índios queriam mudar-se, por falta de água na região. Isso poria fim ao apostolado que o Santo estava fazendo com eles, pois se dispersariam. Francisco chamou-os e lhes disse que não havia motivo para mudar-se, porque ali perto havia uma fonte. Foi com os índios incrédulos até uma área árida, e designando um lugar com o seu bastão, mandou que cavassem. Jorrou uma fonte tão abundante, que com o tempo foi possível, com sua água, tocar simultaneamente dois moinhos.
Em 1559, Francisco Solano foi nomeado custódio de toda a região de Tucumã. Isso o fazia viajar quase sem parar, o que significava também pregar quase incessantemente.
Certo dia, estando o Santo numa aldeia, surgiu um touro furioso. Cada um fugiu para seu lado; só Francisco permaneceu calmo à espera do animal. Quando este ia agredi-lo, falou-lhe com voz suave mas firme, repreendendo-o por sua maldade. O touro abaixou a cabeça e lambeu os pés descalços do franciscano. Devido a esse facto, São Francisco Solano foi declarado patrono dos toureiros.
Na “Lima de los Santos”
São Francisco foi nomeado superior do Convento de Lima. Nessa cidade deu-se o facto surpreendente e sem precedentes, de presenciar-se a morte de cinco santos num espaço de 39 anos: São Toríbio de Mongrovejo (1606), São Francisco Solano (1610), Santa Rosa de Lima (1617), São Martim de Porres (1639) e São João Macias (1645). Por isso, a capital peruana é também chamada Lima de los Santos
Quando pregava na cidade de Trujillo, de repente prorrompeu em amargos soluços. Acabava de prever o terremoto que destruiria a cidade alguns anos mais tarde.
Outra vez, em Lima, pregava a reforma de vida, ameaçando com os castigos e vinganças celestes a cidade, por causa dos vícios de seus habitantes. E o fez com tanta força, que isso provocou uma corrida aos confessionários e às igrejas, comovendo toda a cidade. Alguns o denunciaram ao Vice-rei e ao Arcebispo por provocar aquele alvoroço. Mas o Vice-rei conhecia muito bem seus arrebatamentos e linguagem, e o Arcebispo era um Santo que compreendia muito bem outro Santo.
Sua linguagem tornava-se severa quando era preciso, pois o Santo vivia arrebatado com as belezas de Deus. Uma flor, uma bela paisagem, uma palavra que fosse, às vezes eram capazes de levá-lo ao êxtase. Frequentemente, durante seus sermões, de repente permanecia imóvel e como que arrebatado em Deus.
Certo dia perguntou a um doente como se sentia. À simples resposta — “Já estou bem, graças a Deus” —, entrou numa alegria tal, que pegou dois bastões que havia perto e começou a dançar, numa alegria toda celeste.
Passava horas e horas à noite diante do altar, rezando, cantando e tocando. Ele compreendia bem o dito popular de que “cantar é rezar duas vezes”. Conhecia uma grande série de hinos litúrgicos e populares, e cantava-os, frequentemente acompanhado de seu violino.
Sua candura e sua bondade atraíam homens e até animais. Os pássaros pousavam familiarmente em seus ombros ou em sua cabeça. Para os índios, era quase um deus, a quem obedeciam os elementos da natureza. Os espanhóis veneravam-no como santo.
Santa morte e glorificação póstuma
Sua última doença durou dois meses, durante os quais ele mantinha tocantes colóquios com o Crucificado, com Maria Santíssima e com os Santos. Sua habitual doçura não o abandonava um só momento. Ele aceitava todos os incómodos da febre em lugar da disciplina, que não podia usar. Quem passasse pela enfermaria o ouviria exclamar jubiloso: “Glória a Deus!”, e outras piedosas jaculatórias.
No momento da última agonia, os frades cantavam o Credo. Às palavras “Nasceu de Maria Virgem”, e quando o sino tocava indicando o momento da Elevação, durante a Missa conventual, ele rendeu sua alma a Deus.
Sua morte, ocorrida a 14 de Julho de 1610 — festa de São Boaventura, a quem tinha muita devoção — foi um acontecimento público. Multidões faziam fila para poder passar diante de seu caixão. Os índios acorreram para ver mais uma vez o pai bem-amado. O caixão do humilde frade foi levado, durante o cortejo fúnebre, pelo Arcebispo da cidade, sucessor de São Toríbio, e pelo Vice-rei.
Os milagres sucederam-se em seu túmulo ou por sua intercessão. Somente para o processo de beatificação foram apresentados mais de 100. E para o de canonização, ocorrida em 1726, mais 30.
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