O homem teve sempre muitos aduladores e não poucos detractores. Facilmente passamos dos cantos de sereia do super-homem aos infaustos lamentos do infra-homem. Porém, após uma longa história de encantos e desencantos, podemos dizer que o herói dos nossos contemporâneos não é o homem ilustrado, nem o escravo activo hegeliano, nem o super-homem de Nietzsche, nem Prometeu roubando fogo aos deuses, nem o demónio engajador industrioso mas tão-somente o homem concreto, de carne e osso, com as suas grandezas e misérias. Os nossos contemporâneos desconfiam das solenes lições académicas, mas rendem-se às grandes convicções existenciais. Comovem-se diante da lógica do discurso, mas é a evidência da acção e da coerência que os move.
Se o homem traz consigo o gérmen da destruição, do terror e da peste, é também portador do gérmen da bondade, da compaixão, da ternura e do heroísmo. Impõe-se que a sociedade possibilite condições favoráveis à germinação do bem que existe no homem e sufoque o gérmen demoníaco de que todos somos portadores.
A hipocrisia de muitos contemporâneos alimenta as suas próprias ilusões: crêem-se civilizados e não se atrevem a ver a realidade quotidiana, feita de crueldade e desconfiança generalizada. Astutos, recheiam patéticos discursos com milhões de mortos, de prisioneiros e de gente sem trabalho, quando, afinal, a salvação só poderá vir da confrontação da desgraça com a luz da esperança. Por isso, o primeiro gesto heróico que se pede ao crente e ao homem de boa vontade é olhar o mal de frente, assumi-lo e eliminá-lo.
Acima do heroísmo da razão, acima da segurança que pode vir da ciência e dos resultados laboratoriais deve pairar o heroísmo de se ser homem total. Só assim venceremos definitivamente o materialismo, o cepticismo, o derrotismo e as múltiplas degradações que nos espreitam.
Nesta época, que proclama o ocaso das ideologias e de todos os grandes sistemas filosóficos e sociais, importa manter uma grande lucidez de espírito e um grande domínio temperamental para descobrirmos e vivermos o prodígio da vida. E da vida é que havemos de aprender; as escolas, normalmente, preparam para um mundo que já não existe. É evidente que a cultura é um grande património do espírito humano, mas, como tudo o que é humano, impõe-se que também ela seja uma força activa e não um refugo de museu.
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