20 de dez. de 2010

5. NO PRINCÍPIO FOI A "PRESENÇA" - de José António Merino


     Ao longo da história, sempre inquietou o homem saber qual terá sido o primeiro no princípio e, logicamente, o que terá condicionado a vida e o desenvolvimento posterior do mundo. Para o franciscanismo, no princípio nem foi a Noite, nem o Caos, nem a Força, nem a Luz, nem a Acção. Foi a Presença, uma presença criadora de novas presenças, existência comunicante e fraterna. A categoria Presença engendra um sentimento, cria uma atitude e manifesta-se num comportamento singular perante a vida.
   Francisco, homem com grande sentido do concreto e do imediato, sentia-se constantemente presente a alguém ou a alguma coisa: presente a Deus, a quem via em todos os seres e acontecimentos; presente à Igreja, em que sempre quis viver; presente aos homens, a quem atendia com singeleza, sinceridade e cordialidade; presente à fraternidade, que tão intensamente amava e a que servia de modelo; presente a todos os animais e coisas, ao ponto de lhes dar o doce nome de irmãos e irmãs; presente, enfim, aos acontecimentos quotidianos, triviais ou extraordinários, em que sempre via algo mais do que meras ocorrências. Para ele, tudo tem o seu justo valor e sentido. Perante os homens e os seres, todo ele é delicadeza e atenção, respeito e cortesia singulares. E porque tudo é graça, porque tudo é gratuidade, cada pessoa tem um rosto próprio e uma personalidade específica, cada animal a sua missão, cada coisa o seu significado e cada circunstância o seu valor.
   Luís Lavelle, que escreve sobre a Presença Total como um dos grandes temas fundamentais da filosofia actual, viu em Francisco um testemunho excepcional dessa Presença, já que o santo italiano é um especialista da Presença total na vida quotidiana e soube transformar o que há de opaco e brumoso nas coisas e nos seres em luminosidade e transparência. Desse modo, a sua mensagem é a mais enérgica afirmação do valor da vida e do que na vida existe.
    Face à atitude de muitos dos nossos contemporâneos que não superaram a sua visão de massa, de anonimato generalizado e de despersonalização não só dos seres irracionais como das pessoas, a mensagem de Francisco pode ser revolucionária no relacionamento com todos os seres, já que o estar presente, nele, está longe de ser um mero frente-a-frente sem consequências, impessoal e coisístico. A sua presença traduzia-se em comunicação e participação afectiva e efectiva com Deus, com os homens e com os seres da natureza. O homem não é rival dos homens nem dos seres da criação; é um componente amorável entre todos, com todos constituindo a grande camaradagem universal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário